Escrevinhou qualquer coisa rapidamente num bocado de papel amarrotado enquanto lutava com a memória para que não apagasse as palavras que se juntavam num todo quase coerente, ao invés do que tinha sucedido nos últimos meses.
Sentada na beira da cama, os olhos perscrutaram o quarto mal iluminado e tristonho, as cortinas densas e pesadas, de um cinzento que ja tinha sido verde, os vidros foscos e carentes de água, as paredes quase despidas de cor e adornos.
Um monte de papéis amarrotados à mesa de cabeceira, tão rascunhados como este que agora prende na mão, fê-la entender quão vaga era a esperança de conseguir compreender a sua história.
Deitou-se e desejou fechar os olhos como se fechá-los fosse abrir uma qualquer porta de lucidez ou de memória. Tentou encontrar-se em fotografias desbotadas, em filmagens esbatidas, em toques e gestos, em palavras ou conselhos, em cores, em sons, em vozes, em qualquer retalho ou pedaço de vivência a que pudesse chamar sua.
Em vão.
No dia seguinte, a mulher de bata branca entrou no quarto, dignou-lhe um olhar cansado e habituado. Passou-lha a mão pela face branca.
"O quarto 23 vagou"...
Agora já não vejo o sol
nem seu reflexo lunar
levo as asas nos bolsos
e o coração a planar
neste voo nocturno
não sei onde vou aterrar
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