Descascou uma laranja enquanto o diabo esfregou um olho e deixou o outro por esfregar.
Fazia horas que nada comia, já o estômago se tinha encostado às costas quando resolveu atirar-se a pão com laranjas. Refeição quase quaresmal, pensou.
Não esperava nada em concreto, mas o tremor das mãos dir-lhe-ia outra coisa. Os cigarros afundados no cinzeiro também não concordariam, muito menos estariam de acordo certos trejeitos de quase tristeza que lhe cobriam o rosto ocasionalmente. Afinal esperava, e sabia o quê. Um qualquer toque na tecnologia dos novos tarifários, uma qualquer mensagem no computador, um qualquer sinal de cuidado, uma vontade de comunicar, uma qualquer encíclica. Daqueles sinais que escondem a dor de saber-se que o silêncio pode ser a melhor forma das palavras não terem de ser ditas. Pequenas dores, daquelas que mal se cheiram, mas se enterram no fundo da pele para não mais sairem...
Então trucidou as palavras que não ouviu. Saboreou-as e cuspiu-as, deitou-lhes raiva e deixou-as escorrer para fora de si. Tentou espezinhá-las à medida que se enraizavam no seu chão, arrancá-las de si.
Não resulta, tentei dizer...
a tua pequena dor
quase nem sequer te dói
é só um ligeiro ardor
que não mata mas que mói
é uma dor pequenina
quase como se não fosse
é como uma tangerina
tem um sumo agridoce
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