Era de noite. Mas podia ter sido de manhã. Tal como o frio que estava podia facilmente ter sido substituído pelo calor ou pela chuva.Era de noite, mas a luz infiltrava-se em cada poro da casa, deixando as paredes incandescentes, quase quentes. E era uma luz quase imperceptível ao olho humano, um calor quase feito murmúrio ao toque da pele.
Era a noite da absolvição. Lentamente, ele foi buscar o baú que tinha encerrado em si. Todas as noites seriam repetidas hoje. Todos os olhares, todas as palavras, todos os sorrisos, todos os silêncios. Seriam repetidos hoje, em silêncio quase ofegante. Por eles. Tudo o que lentamente afundaram na pressa do esquecimento, tudo o que prontamente negaram, todo o brilho que sempre os uniu e que tentaram apagar.
Ela pegou no baú, sentiu a palpitação no seu interior de papel. Que podia não ser papel. Ao primeiro chiar das dobradiças, hesitou. Contou baixinho o tempo que demoraram a enche-lo, e ele acompanhou-a com o olhar, sempre soube as suas palavras antes de perceber que as conhecia. E também ele contava o tempo. Tempo demais para o teres suportado, tempo de menos para o terem esquecido.
Abriram-no. Não foi o momento mágico que se lê nos livros ou se vê nos filmes, não foi um momento lento e de grandiosidade. Antes foi simples, puro, gracioso. Formou-se um arco do triunfo sobre eles. Materializou-se o baú, que não era senão uma metáfora que ambos criaram durante uma das noites em que se olharam sem falar e se prenderam em esferas e vírgulas cor-de-nada. E ficaram ... sem palavras, sem se tocar, mas esta noite, dormirão abraçados, dentro do baú e sob o arco do triunfo iluminado pelas paredes. Ainda que não o saibam, apenas o sonhem.
Como eu, ninguém esperou
Como eu, e acreditou
Que tudo se pode perdoar
Só à força de te amar
Sentir o amor escapar
Por entre os beijos fugir
Por entre as mãos escapulir
Como eu