Escuto, desassossegada, o lamento constante e insidioso da chuva lá fora. A inquietudo escava-me maldosamente o peito e rouba-me a paz que apenas retenho fugidia entre os dedos. Respiro luz, preciso de luz, falta-me o ar no escuro dos dias, os meus sonhos fazem-se de luz e claridade, tento desesperadamente encontrá-las dentro de mim. Sem sucesso.
Arranco-me as asas, essas tristes inúteis que insistem que hei de voar. Valer-lhes-á de muito, essa esperança. Arranco-as, furiosa com a acidez que de mim brota. Isto não sou eu eu, juro a pés juntos. E quanto mais me ergo e agiganto, mais me assusto. Repito, esta não sou eu. Eu não sou eu.
Mordo-me e sufoco-me. Preciso de ar. Quero ar. O meu querer é guerreiro e fugaz, frágil perante o monstro que se me revela dentro de mim. Porque esta também sou eu.
E tenho medo.
Se há luz lá fora eu quero
Que haja luz em mim
É quase um tanto, e é um nada cheio de tudo.
Sabem, quase sempre souberam, que as suas maos cabem perfeitamente uma na outra. Aliás, se acreditassem no destino, (quase) adivinhariam que foram maos feitas para se adivinhar e desenhar através do tempo e do espaco.
Poderia ser um voo de asa aberta, graciosa, leve e espontanea, um desses voos que desafiam a gravidade dos sentimentos e que ficam gravados na pele porque para isso nasceram.
E poderia ser um olhar cheio de gargalhadas, como aquelas gargalhadas plenas que ficaram esquecidas no recanto da infancia e que hoje quase nao se ouvem em voz humana. Gargalhadas puras, ternas e melodicas, cantadas com o coracao.
Poderia também ser um olhar daqueles doces, cheios de um tanto irrepetível que nao cabe nas palavras que aqui se escrevem. Um olhar de terra fecunda, onde na areia sem medo se desenham os corpos outrora hesitantes.
É quase um tanto, sem ser quase nada...
Detesto fazê-lo mas eu não resisto
Nesse momento eu começo a sentir o alívio do ver
Sou uma prisão de que fujo a que regresso