Acidez

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(...)

Esperou que o relógio enganasse o tempo morto enquanto assistia ao escorrer dos ponteiros e o som intermitente dos segundos que se pintavam de máscaras de disfarce para enganarem o próprio tempo. Observou antentamente, passageiros apressados ansiosos por se atrasarem, pernas que se perdiam no som dos passos que teimava em se sobrepor ao dos ponteiros e assim a eternidade demorava mais tempo a chegar.
Olhou a estação, mergulhada numa rotina que lhe dava vida, fumo, azáfama e sabor a velho, quase que via locomotivas a vapor a deslizar sobre os carris e a trazer a felicidade escondida num rosto, ou dois, ou nenhum. A espera é ácida pela incerteza que finge amparar as dúvidas.

Levantou-se ao sinal sonoro, está a dar entrada na linha o comboio proveniente da terra da saudade, das fogueiras e dos abraços feitos mãos entrelaçadas. Sentiu o calor da espera percorrer o corpo como se de si saíssem todas as palavras que gostaria de poder dizer. Apertou os nós dos dedos, finalmente, finalmente. Quantas esperas, quantos passos percorridos em rumos perdidos, quantos, meu deus, chegam agora ao fim possível, à suspensão da distância.

O olhar varreu a plataforma. E a acidez fez-se um rosto, deu de si, desenhada nesse rosto que o acalentava e permanecia ao seu lado. Era a felicidade, ácida e radiante. Esse travo de acidez que o fazia estremecer a cada gesto, a cada momento, a cada contorno, que o despertava para um abraço esperado. Ácido querer e ácido desejo de quem quer sempre mais na paz de amar o que tem.


E o vento apaixonou-se pela seta
Quis deixar-se acompanhar pela coisa concreta
Surgia como justificação
Para a materialidade de um traço no céu



Vertigem II

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Saiu de casa para se mostrar ao sol. Rasgou o vento com a pele e aprendeu a leveza do passo decidido.
Esgueirou-se à solidão e encontrou nos rostos desconhecidos motivos para se revisitar, despir medos e rotinas, falhar encadeamentos já gastos, palavras que se perderam por se encontrarem demasiadas vezes. Amou o ar pela complexidade seca de puramente ser.
Desviou-se das pedras e evitou valas e depressões, cheirou o fumo e o alcatrão. E descobriu a humanidade na sua forma mais típica, mais simples, tão real como complexa.
Levou a mão ao bolso para trocar dinheiro enquanto escolhia o hábito de sempre, e de repente ficou presa. Quase cativa, do olhar profundo de quem estava ao seu lado. Foi uma seta, como existem apenas em contos e músicas e histórias, teve a certeza. Tal era o impacto de saber mais, de ler mais naqueles olhos toda a vida que eles abraçavam. Foram efémeros momentos, é verdade, mas também em fugazes sonhos rasgamos céus e encontramos paixão.
Viu os olhos afastarem-se. Seguiu-os na multidão, procurou-os em todos os rostos agora ainda mais desconhecidos. Soube. Nunca mais os veria. Então porque os teria encontrado?

Amou o desconhecido, gastou a pele. Sufocou o sorriso. E amou baixinho, chorando apenas brilhantes de sal.


é estranho quando dou por mim no mundo bizarro
e mais ainda quando lá
o mais bizarro do mundo sou eu


Intrepidez

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Encostou o ouvido ao peito para lhe ouvir o coração apertado. Ouviu-o e sentiu-o disparar ainda mais quando finalmente falou, já o ouço. E sorriu, apenas breve, apenas tudo. Quase que se perderam no sorriso, quase que se esqueciam de falar. Quase se esgotaram no olhar que não se repetirá, porque a primeira vez que se diz, Amo-te, é a mais dolorosa e mais arriscada. Mas também a mais verdadeira e legítima. Treme o chão e secam os rios, tudo perde relevo e o destaque é apenas e só para essa realidade. Falham as palavras, porque não são importantes, mas sim a coragem para se despirem de medos antigos, novos, corroídos e corrosivos. Falha tudo, mas tudo é perfeito, tudo se resume a um momento que todo ele é tudo.
Breve, muito breve. Rápido, como se fosse uma tempestade de areia a invadir todo o corpo. Esqueceram as palavras certas e a materialização do esperado. Simplesmente sorriram e repetiram baixinho, saboreando cada letra, que os torturou enquanto se libertavam.



Não o faças, deixa que aconteça
Agarra-te ao momento para que não desapareça


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  • de eu vim de outra esfera
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