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Esperou que o relógio enganasse o tempo morto enquanto assistia ao escorrer dos ponteiros e o som intermitente dos segundos que se pintavam de máscaras de disfarce para enganarem o próprio tempo. Observou antentamente, passageiros apressados ansiosos por se atrasarem, pernas que se perdiam no som dos passos que teimava em se sobrepor ao dos ponteiros e assim a eternidade demorava mais tempo a chegar.
Olhou a estação, mergulhada numa rotina que lhe dava vida, fumo, azáfama e sabor a velho, quase que via locomotivas a vapor a deslizar sobre os carris e a trazer a felicidade escondida num rosto, ou dois, ou nenhum. A espera é ácida pela incerteza que finge amparar as dúvidas.
Levantou-se ao sinal sonoro, está a dar entrada na linha o comboio proveniente da terra da saudade, das fogueiras e dos abraços feitos mãos entrelaçadas. Sentiu o calor da espera percorrer o corpo como se de si saíssem todas as palavras que gostaria de poder dizer. Apertou os nós dos dedos, finalmente, finalmente. Quantas esperas, quantos passos percorridos em rumos perdidos, quantos, meu deus, chegam agora ao fim possível, à suspensão da distância.
O olhar varreu a plataforma. E a acidez fez-se um rosto, deu de si, desenhada nesse rosto que o acalentava e permanecia ao seu lado. Era a felicidade, ácida e radiante. Esse travo de acidez que o fazia estremecer a cada gesto, a cada momento, a cada contorno, que o despertava para um abraço esperado. Ácido querer e ácido desejo de quem quer sempre mais na paz de amar o que tem.
E o vento apaixonou-se pela seta
Quis deixar-se acompanhar pela coisa concreta
Surgia como justificação
Para a materialidade de um traço no céu
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