Ruído

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Estática. Rodeia-se de afazeres incompletos e esconde-se no fundo do corpo. 

A noite talvez hoje afague os traços que a insónia tem cavado.Mas de noite, o mesmo suor frio, a quem, por vício e ímpar desvirtude, resolveu apelidar de "solidão", a sorrateiramente adormecer nos seus lençóis, enquanto ele persiste em branco acordar. Se ao menos calassem este ruído inaudível, esta morte lenta e atroz. E de manhã, o burburinho dos outros também se chama solidão. Bem como o senhor que invariavelmente o saúda na esquina do quiosque. E os pombos que trespassam o coração da capital, também eles têm solidão no nome e no cantar. Mas a todos estes passos cravados fundo se sobrepõe o ruído branco, a estática de se saber que a solidão é apenas o espelho sem rosto. 


Mal eu sabia
Que a vida rouba os sonhos
Mal eu sabia
Que o mundo nos desmama
De paixões surdas,
Cava na cara
Sulcos secos


Danação

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Pagou o café com duas moedas e um sorriso que durou até atravessar a rua. A chuva recorda-lhe a cidade cinzenta que afaga a testa e faz o pensamento querer transbordar do cérebro. Gosta destes dias, mas doem-lhe, de morrinhentos que são. Fazem lembrar o sabor a nozes comidas à pressa. De mãos nos bolsos, atravessa a rua na diagonal, ao contrário da prática do bom peão. Peão é peça de xadrez, é marioneta repuxada nas tranças dum destino por cumprir. Então, remorde, é por isso que vai na estrada.
Mas não é por isso, e a tensão do pensamento involuntário traz espanto ao olhar. Não é por isso que a cabeça lateja, não é por isso que as asas encolhem em cada madrugada, que a voz treme num argumentário. Esconde a cara, agora. Imagina o abraço elevado às tonalidades mais absurdas. Sempre o mesmo gesto infindável, a mão na bochecha a esconder o trajecto, que se conhece de cor. Conhece esta rua cinzenta demasiado bem, os seus horários, os seus trânsitos, as suas pessoas, os seus olhares. Na segunda porta aberta, há sempre um sorriso escondido por trás do avental. É o brilho do amor escondido. Irrepetido. Insubstituível ... apenas mascarável aos olhos dos que pensam que a carne não brilha.
Nas mãos enfiadas discretamente nos bolsos, as moedas que sobraram do café. Começam a humedecer, a deitar a bílis do metal. 
Casaco comprido, cara lavada, tudo pronto e revisto para passar no teste do estar-se bem. Estava ali, na rotina onde nem o pó persiste. Mas não estava verdadeiramente ... flutuava numa bolha de sabão. Mesmo ao seu lado ...

Nós tocámos em algumas coisas
Nós seguimos por alguns sentidos
Se nos podem ver não nos podem tocar


Partida

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Partiu o relógio na véspera de matar a distância. Decidiu que o iria esperar ao comboio, ele que traria nos ossos quilómetros e saudades. Ela, que saberia confortar a carne mas não a alma. De joelhos, cortou-se ao apanhar do chão os pedaços de vidro que lhe dirão a hora certa para estar na linha invisível das horas. Onze menos um quarto. Um quarto para as onze. Num dia de Março. O relógio não mede tempo, conta quilómetros. Palpitações, saudades, das que se não querem nunca mais sentir. E o comboio que o trouxer terá de o levar de volta. Os risos desaparecem-lhe da carne, apenas sossegam o peito enquanto a dor da morte da distância fica, haja luto. Haja dor, haja pranto, haja luz e sombra, ela ficará no cais... apenas o braço do coração se levantará para acenar.

A corda ainda prende o pé, mas eu já fugi daqui tantas vezes que não sei se vou voltar.
Não tirei fotos porque quero lembrar que ainda é cedo ou muito tarde para me vires buscar.


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