Pagou o café com duas moedas e um sorriso que durou até atravessar a rua. A chuva recorda-lhe a cidade cinzenta que afaga a testa e faz o pensamento querer transbordar do cérebro. Gosta destes dias, mas doem-lhe, de morrinhentos que são. Fazem lembrar o sabor a nozes comidas à pressa. De mãos nos bolsos, atravessa a rua na diagonal, ao contrário da prática do bom peão. Peão é peça de xadrez, é marioneta repuxada nas tranças dum destino por cumprir. Então, remorde, é por isso que vai na estrada.
Mas não é por isso, e a tensão do pensamento involuntário traz espanto ao olhar. Não é por isso que a cabeça lateja, não é por isso que as asas encolhem em cada madrugada, que a voz treme num argumentário. Esconde a cara, agora. Imagina o abraço elevado às tonalidades mais absurdas. Sempre o mesmo gesto infindável, a mão na bochecha a esconder o trajecto, que se conhece de cor. Conhece esta rua cinzenta demasiado bem, os seus horários, os seus trânsitos, as suas pessoas, os seus olhares. Na segunda porta aberta, há sempre um sorriso escondido por trás do avental. É o brilho do amor escondido. Irrepetido. Insubstituível ... apenas mascarável aos olhos dos que pensam que a carne não brilha.
Nas mãos enfiadas discretamente nos bolsos, as moedas que sobraram do café. Começam a humedecer, a deitar a bílis do metal.
Casaco comprido, cara lavada, tudo pronto e revisto para passar no teste do estar-se bem. Estava ali, na rotina onde nem o pó persiste. Mas não estava verdadeiramente ... flutuava numa bolha de sabão. Mesmo ao seu lado ...
Nós tocámos em algumas coisas
Nós seguimos por alguns sentidos
Se nos podem ver não nos podem tocar
bela descrição de um dia cinzento..