Rabiscou a folha de papel, linhas azuis, e ela que odiava folhas de linhas.
Tentou encontrar ordem nas palavras que arrojadamente se desprendiam da caneta, e por momentos nem as reconheceu, pareceu-lhe ter escrito quase numa língua estrangeira.
Reparou que não dirigia a escrita. Não dirigia porque não a comandava, e não dirigia porque não a endereçava. Deixou, libertou simplesmente esse fio insaciável e quase incontrolável.
O vazio. Despejou o vazio, e quanto mais leve se tornava o ser, mais luminosa sentia a manhã disfarçada de noite. Tudo se podia dizer, era como um jogo de crianças, porque não o dizia a ninguém, quase podia deixar as palavras brincarem consigo. E deixou, disse, ouviu, e leu. Cada palavra doía um pouco, enquanto castigo e enquanto redenção. Deixou-se ficar, embalada pela plenitude de se reconhecer.
No fim, alcançou a paz de saber que a sua mão teria sempre outra mão para sentir ...
Eu queria tanto ser
mas não houve tempo
Foi como um soco vazio
Na pressa de viver
o corpo quente tornou-me o sangue frio
São carris que me prendem aqui
à velha casa onde tudo é igual
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