Fome

Cometido em 25 abril 2007 por Green Tea | Partilhar este crime

Fechou os olhos para deixar o tempo chegar até si. Deixou o relógio na parte de fora do seu mundo, casulo tecido de restos previamente espalhados num chão que afinal tinha apenas sido o início do fim da sua queda. Ainda de olhos fechados, cofiou as asas que não serviam mais para nada. Riu-se, baixinho, quando se apercebeu do peso das asas, e do peso das mãos, e do peso das pernas, e do peso de todo o seu corpo.
Viu, em sonhos feitos de filmes antigos, o seu sorriso feito mão apertada contra outra mão. E sentiu a mão na sua. Quando a fechou, fugiu, e apenas o vazio.
Roçou as asas na parede, enterrou-lhes as mãos, arrancou-lhes pedaços, e quis sair. Lembrou-se de quando era pequeno, e lhe tinham ensinado que as asas serviam para voar bem alto. Não o avisaram da queda. Não lhe contaram como doía partir os ossos abraçado a um corpo morto e sem alma. Não lhe chamaram a atenção para a dor de estar morto estando vivo.
Abriu os olhos, para mais uma vez se certificar que era esta a sua cruz. A de ver sem ser visto, a de voar alto, tão alto que nenhumas outras asas eram capazes de voar a tal altura.

Sorriu, sorriu sempre.
Sempre quis morrer de verdade a sorrir. Mas nunca morreria a sorrir de verdade.

Vai deixando o tempo passar
Vai trincando o que te dão para comer
Talvez vá o mundo fluir

2 opiniões sobre o crime “Fome”

Tiago on 12:56 da manhã

Gostei do pesado disfarçado no texto. Em tantos blogs teus parei aqui. Vou passando noutros.

Gostei,

Tiago
Liliana Bárcia on 1:20 da tarde

o meu relógio!!!