Voo. Voa. Voam.
Qual Ícaro vigiado por Dédalo preocupado, as asas de cera frágil desenham-se e recortam-se no céu quente do poente que se aproxima em pontas de pés silenciosas.
Vista de cima, a terra cruza os rios, beija o mar e sorri submissa aos novos senhores do ar.
Mais alto, pensam, mais alto e mais longe!
Vertigem alucinante à velocidade do pensamento. E Dédalo, ou o seu representante, preocupa-se, cavam-se rugas na sua bondosa expressão. Sabe que as asas voam seguras, mas conhece o poder da ambição e da rebeldia de quem voa para se libertar do chão que oprime. Voam por cima do céu, para não serem pisados pelo chão.
Ei-la! A tragédia esperada.
As asas cansaram-se do chicote da ambição. Lentamente, escorrem e espreguiçam-se em direcção ao mar que as aguarda. Perdem o seu esplendor dourado, queimam os braços e escorrem pelas costas em brasa liberta. E a viagem finda. Só o chão, antes domado, se ergue mais rápido e brutal que antes.
Dédalo, ou o seu representante, fecha os olhos, certo da decisão a tomar. Estende os braços, e em harmonia contínua, as suas asas, não de cera, mas de luz, abrem-se em toda a sua imensidão. Veloz, como o vento que se crava nos olhos, resgata os corpos desprovidos de asas, trémulos como gotas batalhando para não chover.
E em repouso, torna-se invisível.
Imóveis, os corpos dobram-se. E voam, alto, mais alto, cada vez mais alto. Em pensamento.
... hoje toquei num avião sem tirar os pés do chão ...
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