O céu tinha acabado de se vestir daquela cor azul que raia o sonho no momento em que os candeeiros se acendem anunciando à tarde o seu fim. Parecia que o firmamento tinha descido à terra por breves instantes. Movido por uma insaciedade sua, uma incerteza ofegante e um querer mais forte, pegou nas chaves e entrou no carro rumo ao nada da estrada. Sem pressa nem destino, saiu dos limites da cidade, da certeza conhecida, e continuo, persistiu. Certamente algo lhe havia de apontar o caminho, enquanto a monotonia dos pneus no alcatrão o embalava numa doçura inerte.
Alcatrão. Terra batidas e folhas crepitantes a cheirar a outono. Pedras, pedrinhas e restolho. Apenas comida para a voracidade da viagem que se quis longe.
A noite já se fechara num caracol de escuridão e silêncio quando travou bruscamente e sentiu o carro a vociferar intempestivamente. Parou, tremendo da ponta dos pés que não lhe obedeciam, à ponta dos cabelos espetados. Aproximou-se, incrédulo e balbuciando apenas murmurantes sílabas. Como? Eu? Tocou na tabuleta em forma de seta, branca e reluzente, com o seu nome inscrito a tinta negra, onde os faróis tinham reflectido furtivos. Percebeu que nada acontecia por acaso. Abandonou o carro, documentos, chaves, tudo o que o ligara ao antes que iria terminar, findara já. Enveredou inseguro pelo bosque escuro, sentindo os seus passos sobre chão nunca antes pisado. E as vozes assaltaram o cantinho do medo, ao mesmo tempo que o chamavam.
Avançou. Encontrar-se-ia, algures.
se o meu peito diz coragem
volto a partir em paz
gostei.
gostei assim muito*