Tarde. Mas não tão tarde que fosse hora de os pais estarem em casa, as mães a tratar do jantar, o telefone a rezingar, não, era de tarde apenas. A tarde, com o seu manto vespertino que se desdobrava em horas sonolentas e douradas pelo sol que sabia que era verão, espraiava-se por todo o lado, cabia em qualquer fresta, qualquer janela entreaberta, derramando pózinhos de magia sobre as cabeças das crianças.
Qual flautista de fábulas perdidas, as crianças atentas acorreram ao chamamento. Imperturbáveis, atravessando a cidade ou a rua, a distância desfez-se sob os pés delas, e o parque estendeu-se à sua frente. Mil sorrisos, e o dobro de rostos ansiosos e confiantes. Ele já lá estava, velho como o sol, crestado por ele, vincado pela austeridade dos tempos.
Tratou cada uma das crianças pelo nome, afagou-lhes os rostos e os cabelos. E então mostrou-lhes uma pequena esfera brilhante, luzia como se um pedaço do sol fosse, e até seria, todos sabem que o sol é uma estrela, e nem é das mais brilhantes. Rodopiavam as cores nessa esfera que fascinava os petizes, e para aumentar o espanto, até no tamanho se alterava. As bocas abriram-se num coro mudo de espanto e admiração. O velho sabia, e sorriu também.
Deslizou a bola colorida entre os dedos grossos, e devolveu-a ao bolso. Voltou a chamar cada um pelo nome, e em segredo, mostrou-lhes a bola incandescente, um a um, num segredo fugidio. Gargalhadas ecoaram, como gotas de felicidade materializada, porque se há felicidade, é às crianças que pertence!
A partir desse momento, em que o último menino viu a bola mágica e nela se conheceu, o sol passou a beijá-los a todos pela manhã, e a chuva a lavar-lhes as tristezas quando o sol estava cansado. Nunca mais o velho voltou, regressou ao sol, e eram dele os beijos, e suas as lágrimas que a chuva trazia.
Essas crianças, iguais e diferentes entre si, serão velhas um dia, se não o forem já. Mas terão sempre dentro de si o sorriso do sol, e a lembrança do sonho feito conto de embalar pela pena de quem não esqueceu.
... não deixes de querer fugir, porque saber fugir não é mau ...
há momentos assim ... amargos e doces e inexplicáveis, ainda que inconsequentes no plano prático e real da vida.
este post é dedicado, sinto que o escrevi para alguém, um alguém sem rosto, ou se calhar bem próximo, tanto faz. sei que não o escrevi só para mim ...