Risos de criança ... risos em rodopio frenético que o confundiam enquanto mergulhava nas suas memórias. Mirou as mãos velhas e assinaladas pelo passar do tempo que não reparou. O tempo que se esvaiu por entre os dias que hoje recordava, enquanto o livro que sempre trazia para o banco de jardim permanecia inacabado, ou inacabável.
Recordou o seu rosto, que conhecera fresco e rosado, e que tinha partido enrugado e dorido. Saboreou no ar a sua doce presença que sentia sempre, como se só se conhecesse através dela. Nos olhos baços e tristes, um sorriso meio, uma dor suave que só os velhos podem sentir porque amaram toda uma vida. E um sentimento de não pertencer a este tempo em que as crianças não têm tempo para dar a mão ao avô.
Olhou o livro de frente. O velho e o mar. Já o tinha lido, e sentia-se preso àquele barco e àquele mar imenso que era a vida. E teve medo de morrer quando acabasse de ler.
O velho no jardim, que sonhava acordado, e que coleccionava os olhares estranho de quem passava, por ser um velho, por não estar a jogar às cartas. E afastou essa pena pluma que começava a sentir de si. Pena não, pena nunca quis sentir, mas a saudade ... o saber-se vivo e viúvo. Era saber-se viúvo e não vivo. Cheirou o sal no ar. A primavera. O calor, as chuvas, os anos que lhe restavam, ainda que neste dia não soubesse quantos seriam esses anos. E Hemingway, quase o pôde imaginar sentado a seu lado. Ao lado deles.
Dormitou ...
Estava no mar, agarrado a um barco (...)
há sempre alguém que nos faz falta
[segundo DESAFIO]
[e o desafio foi cumprido --> aqui]
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