Sentidos e pontos.
Percebeu que nada fazia sentido agora, enquanto procurava um motivo, qualquer um, para sorrir, em vão, repetidamente em vão.
Descobriu que os óculos escuros servem para alguma coisa, para chorar em paz enquanto a manhã avança implacável sem compadecimentos por qualquer sofrimento ou alegria fora da rotina urbana que mastiga as almas.
E o olhar, os olhares que se prendem para logo depois se desatarem. Óculos escuros evitam olhares, impedem que lhe perscrutem a dor de não saber onde dói, ou se há alguma coisa que não doa.
Próxima paragem: qualquer uma, uma qualquer servirá para sair e se abandonar. Sobre a razão, qual razão, nem essa traz a voz tranquila e serena que seria precisa para enfrentar a luz.
Verde. Azul. Cinza, restolho, a paisagem trá-la à realidade. Stop, letras a piscarem, algo em que focar os olhos enquanto a pintura se esborrata em linhas negras que fogem dos óculos escuros, que para muito servem mas não vencem a gravidade, afinal a ciência ganha-nos ao espírito.
- Para onde segue esta carreira?
Como é possível? Murmura umas quantas palavras, sabe de cor o percurso do autocarro, são oito longos anos a diariamente partilhar duas horas com a máquina de transporte de gado urbano. Propositadamente, não faz um esforço para disfarçar a dor e a surpresa na voz. Que a ouçam trémula, dorida e pasmada. Mas não. Um simples obrigada desprendido e solto mecanicamente.
Subiu o mesmo caminho de sempre, conhece as pedras de cor. Sabe o momento exacto em que o cigarro morre nas mãos. Pisou a beata, matou-a em cinzas de terra batida. Como sempre, subiu as escadas, virou à esquerda, direita. Próxima paragem: sorrir.
- Bom dia a todos ...
Sentir nao é mostrar
E dar nao é sentir
É morrer em paz
Uma viagem de autocarro... Os sons sempre diferentes do "gado urbano" que soam a familiar... Uma paragem, outra, só mais uma, e o fim da viagem... que durasse sempre...
podiamo-nos absorver da realidade eternamente, ninguém repara em quem entra ou sai... uma roupa colorida, uns óculos escuros, pouco mais...
No fundo sempre dá para pensar no meio da multidão... O que acontece tão raras vezes...
E o fim, a máscara que sempre nos isola do mundo... Quantas vezes falei hoje da máscara... Estranhamente não acredito em coincidências...
(este não era um desafio, certo?)
Uma viagem de autocarro... Os sons sempre diferentes do "gado urbano" que soam a familiar... Uma paragem, outra, só mais uma, e o fim da viagem... que durasse sempre...
podiamo-nos absorver da realidade eternamente, ninguém repara em quem entra ou sai... uma roupa colorida, uns óculos escuros, pouco mais...
No fundo sempre dá para pensar no meio da multidão... O que acontece tão raras vezes...
E o fim, a máscara que sempre nos isola do mundo... Quantas vezes falei hoje da máscara... Estranhamente não acredito em coincidências...
(este não era um desafio, certo?)
Este não era um desafio. Inicialmente pensei em escrever um desafio para completares, mas senti necessidade de me pôr nas palavras, de ventilar um pouco. Não achei de todo justo teres de acabar um texto onde não seria a ficção que estaríamos a partilhar.
Já hoje pensei em mim e nos meus espaços como um vulcão (bem, podia ter escolhido outra metáfora). E neste espaço saem umas erupções mais ou menos controladas de cinzas e restos, mas nunca lava, aqui nunca o vulcão sangra. Quando não escrevo estou em dormência vulcânica, estou imersa no meu quotidiano. Compreendi que o meu lado mais disruptivo está no meu outro espaço, onde as erupções podem ser (e muitas vezes são) violentas e catastróficas.
Achei "engraçado", um vulcão em plena cidade...
Oh, estou a delirar.
Espero que o desafio seja menos sombrio. Cada vez mais tenho a sensação vaga e estranha das palavras que escrevemos estarem mais próximas do que poderia pensar.