Virou a ampulheta. Decidira. Colocou-a cuidadosamente na mesinha de cabeceira, junto ao relógio e à carteira. Pensava na ampulheta há semanas ... Olhava para ela, sabia-a na viagem de carro até ao trabalho, escutava-a enquanto o espelho lhe devolvia o cansaço por barbear, e nunca a coragem fôra suficiente para a virar.
Se o tempo se esgotasse ... se ao menos o tempo se esgotasse. Mas não. Sabia demasiado bem que não, o tempo não se esgota. Virou a ampulheta, barbeou-se, vestiu-se igual sabendo-se diferente. Repetiu o seu nome. Os nomes têm esse condão de nos fazer existir, pensou. Olhou-se no espelho, e não ouviu a ampulheta ditar o atraso da melancolia. Rastos de tempo por usar reclamavam a ausência. O tempo novo chamava-o.
Encarou a fotografia do passado. Nem um sorriso tentou instalar-se. Nem uma expressão que traísse a saudade. Só o olhar se deteve por um segundo mais do que necessário. E os olhos olham para onde nós olhámos e olharemos. Olhos servem para olhar. Nem sempre para ver.
E foi a dor que não viu vir que virou a ampulheta.
Não rasgou a fotografia, como havia prometido. Tinha virado a ampulheta.
e não foi assim que o tempo nos fez, e fez assim com todos nós
e não foi assim que a razão nos amou, e fez assim com todos nós
vestiu-se igual sabendo-se diferente. Repetiu o seu nome. Os nomes têm esse condão de nos fazer existir, pensou.
lembra-me, n sei pqe, (mas é um elogio) o início d Imortalidade de Kundera.. a temática do nosso nome e o ele significa..
E foi a dor que não viu vir que virou a ampulheta
mt bom , mt bom
***Take care
B.
Isto é muito boa literatura.
"(...) escutava-a enquanto o espelho lhe devolvia o cansaço por barbear(..)"
Tu vais longe miúda. Beijo grande.
ena, parem lá com isso mulheres!!! q eu acredito, ihihih.
obg pela passagem vinda do sul, amiga ;)