Chuva. Chuva miudinha a cintilar no alcatrão massacrado das pressas e correrias. Chuva que gostava de sentir no rosto quando se abeirava da janela e punha a mão de fora para decidir o que vestir de manhã. Chuva da que lava as tristezas e traz arco-íris em cada gota.
Sem frio, só chuva. Delicioso, pensou. Pôs a mala a tiracolo e fechou a porta atrás de si, enclausurou a fome em casa, e foi. Foi por aí e ali, cá e acolá, sentir a chuva dar-lhe as boas vindas depois da viagem do dia anterior.
Atravessou algumas ruas em seco, impelido apenas pela vontade de ir, seguir, continuar e persistir. Não interessava tanto o destino como o simples acto de andar e viajar, aliás sabemos que é assim a maioria das vezes.
Numa esquina encontrou-a. Sentada no chão. Um cartaz pintado com escassez de alfabetização pedia ajuda para ela e um rancho de filhos petizes. Ele olhou, mirou e lançou a mão à mala de tiracolo. Deu-lhe um olhar doce, enquanto acendeu um cigarro e lhe ofereceu outro, que ela aceitou engelhada no hábito de não falar.
Pensou que não mudara muita coisa desde que partira. A mulher tinha mudado de sítio, havia mais cores nas montras, mas pouco mais. Nem ele tinha mudado tanto como isso.
Alguns dias depois passei pela mesma esquina onde os tinha visto a trocar olhares e fumaças. Ela falava com ele, com um azul enorme a raiar-lhe os olhos. Ele, sentado e desgrenhado, com um cartaz a pedir apenas sorrisos e pedaços de vida. Ambos à chuva. Ambos mais felizes. Ela já sem cartão.
Não me aproximei. Deixei-os voar assim...
Acende mais um cigarro irmão
Inventa alguma paz interior
Há regressos que valem a pena, afinal... Obrigada por mais este sorriso.
Há regressos que valem a pena, afinal... Obrigada por mais este sorriso.