Não que quisesse ir, não que quisesse ficar, não que quisesse alguma coisa senão ser.
O carro vai, automático e recto, constante e direito, em frente. Dirigem-lhe a palavra, e ela responde em monossílabos desprovidos.
A mão estende-se, roça o vidro da porta onde se encosta, enrolada em si. O rio segue, ao lado. O rio segue, que disparate, vai pensando, o rio corre. E ela corre, sentada. Corre ao lado do rio, enterra os pés na areia. Em silêncio.
Um casal sentado no pontão. Surda a punhalada. Surdo e roufenho o baque do coração que deixou de bater. O rio já não corre, ela já não enterra os pés na areia, as palavras monossilábicas perderam-se a caminho de outra resposta ausente.
A ponte. E ela brinca com as palavras. A ponte leva-me ao longe. Longe. A ponte voa para fora daqui, fora deste carro, fora deste sol que não lhe toca. E um desespero de seguir a ponte, de voar com ela. Silêncio.
Quase adormecida. O carro pára. Saem todos, ela também. Ar fresco. De volta à prisão. Muda.
... e esqueces essa canção que já não passa na rádio, mas que vive secretamente dentro de ti. Fechas a porta à chave com duas voltas e sais ...
Prisão, sim. Foi a palavra que logo me ocorreu. Mas lembra-te, podes enterrar os pés na areia, podes enterrar a cabeça, mas a tua mente voa por todas as pontes.TODAS.